Meu Caminho de Santiago de Compostela
- isadorastoffel
- 11 de jan. de 2024
- 7 min de leitura

Qual a maior loucura que você já fez na vida? Essa é a pergunta que mais faço numa entrevista de emprego. E já ouvi de tudo… loucuras de amor, viagens de intercâmbio, mudanças inesperadas de emprego. Se eu estiver do outro lado e alguém um dia me perguntar, eu vou responder: o Caminho de Santiago de Compostela.
Isso não é um relato de viagem. Para isso, você teria que reservar mais algumas horas (e se realmente estiver interessado(a), me escreva que eu vou adorar conversar :)). Aqui, apenas escrevo algumas notas mentais de aprendizados que tive durante o caminho e que levo para minha vida pessoal - e profissional.
Ouvi sobre Santiago de Compostela pela primeira vez em 2004, a primeira vez em que meu pai fez o caminho. Em 2014, conheci a cidade em um passeio turístico com meus pais. E em 2019, decidi encarar junto ao meu pai o quarto caminho que ele faria.
Se você nunca ouviu falar, eu te explico de forma rápida: Santiago de Compostela é uma cidade na Espanha em que acredita-se que São Tiago, apóstolo de Jesus, tenha sido enterrado sobre o campo de estrelas (compostela), onde hoje está baseada a Catedral de Santiago de Compostela. Iniciaram-se assim as peregrinações, criando o famoso caminho. Acontece que, hoje, mais de 60% das pessoas já não o fazem por questões religiosas. Fazem por buscarem uma evolução espiritual, uma conexão com seu eu interior.
É considerado caminho de Santiago - e ter direito a compostelana, certificado oficializando que completou o caminho - qualquer trajeto que você faça há pelo menos 100km de Santiago, a pé ou a cavalo ou 200km de bicicleta. Você pode sair do sul da Espanha, da França e até da Dinamarca. E o que comprova que você o fez, são os carimbos que você ganha na credencial de peregrino a cada pernoite que você passa nos albergues (ou igrejas que visita no percurso).
Notas mentais para uma vida inteira:
Se der medo, vá com medo mesmo.
Na minha primeira noite, eu estava em San Sebastian, norte da Espanha, onde encontrei meu pai que já havia começado o caminho desde Irun (cidade próxima). Naquele dia, escrevi no meu diário: “será que eu vou conseguir?”
Tínhamos 780km pela frente. Hoje, refletindo, percebi que sempre coloco em cheque minha capacidade. O motivo principal? Medo de fracassar. Por isso, se estiver com medo, vá com medo mesmo e surpreenda-se com você mesma durante o trajeto.
Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.
Um clássico de Alice no País das Maravilhas sempre nos faz refletir. O “onde ir” é seu destino final, é o que indicará sua direção. Sabendo seu destino e sua direção, o caminho é qual percurso você seguirá. Se não sabe sua direção, qualquer caminho servirá.
Durante o Caminho de Santiago, independente da sua rota e da sua velocidade, todos rumam para um mesmo lugar, uma mesma direção: Santiago de Compostela.
Isso significa que independente de quais caminhos você escolher, se você tem claro seu objetivo final, haverão setas amarelas* pelo caminho indicando a direção. Mas fique atenta, pois você pode se perder. Assim como quando nos perdemos nas nossas rotinas e afazeres e esquecemos do que realmente importa para chegar lá.

Mude a rota. Pare, respire e siga em frente.
Quando cheguei ao centésimo quilômetro, eu desenvolvi uma tendinite no meu pé direito. Meu tornozelo era do tamanho de uma bola de tênis e encostar o pé no chão era uma tortura. Fui ao médico e ele me receitou anti-inflamatórios.
Chorei mais no momento em que meu pai pediu para eu desistir do que na hora da dor mais sofrida.
Eu não queria desistir. Eu não ia desistir. Mas precisei reconhecer minha vulnerabilidade. Foram dores espirituais e inflamações físicas. Pegamos um ônibus e fomos até Santander, também no norte da Espanha. Mais dois dias parados e aguardando o anti-inflamatório fazer efeito. Decidimos então mudar de rota e migramos para o caminho francês. Mais conhecido, mais plano, mais albergues e pontos de parada. Pegamos um outro ônibus até Leon. A partir dali, seriam mais 335km.
Mudamos rotas, paramos, respiramos, seguimos em frente. Por que sempre soubemos onde queríamos chegar.
E se você sabe onde quer chegar, decidir mudar de rota não invalida em nada o caminho que você teve até aqui. Na verdade, foi o que te fez chegar até aqui.
Não temos controle sobre tudo.
Durante o caminho de Santiago, aprendemos sobre nossos limites e sobre o que não podemos controlar. Minha tendinite foi exemplo disso.
O último feedback que recebi antes de pedir demissão e embarcar para o caminho foi: Isa, você quer abraçar o mundo e fazer tudo.
Seja na vida ou no trabalho. Inclusive como líder, aprendi a abrir mão e confiar. Passei de alguém extremamente centralizadora para a pessoa mais descentralizadora possível (às vezes até demais rs). Hoje sei que alguém da equipe fará infinitamente melhor.
Não nascemos prontos.
Eu treinei por 3 semanas. Caminhei cerca de 13 quilômetros quase todos os dias. Com mochila, botas e bastões. É claro que não foi suficiente. É como acordar e querer correr uma maratona sem um dia sequer de treino.
Meu pai com 70 anos, eu com 26. Ele me deu um banho de condicionamento físico. Por quê? Porque ele treina há anos. Eu treinei por 3 semanas. Não nascemos prontos e é fundamental reconhecermos onde precisamos aprender e crescer. Não espere que seus primeiros projetos sejam perfeitos, dê o máximo de si e esteja aberta a sempre evoluir.
Além da tendinite, foram infinitas bolhas e calos nos pés. Mas, quando cheguei a Santiago, senti como se pudesse caminhar por mais 1.000 quilômetros.
A gente só aprende fazendo. Nós vamos calejando ao longo do caminho.
Escolha as pessoas que você quer ao seu lado.
Ir com meu pai teve uma importância sem tamanho pra mim. Ir sozinha ou com outra pessoa não teria o mesmo significado, a mesma importância. E isso é para a vida, para todos os dias. As pessoas e energias que estão à sua volta, são quem te impulsionarão ou te puxarão para baixo. Você escolhe.

Se importe com o que realmente importa.
Eu tinha uma mochila de pouco mais de 4 quilos. E só. Durante 25 dias.
Não precisei de roupas de marca, nem de materiais supérfluos. Mas mais do que isso. Desapego de coisas e sentimentos é o que mais acontece durante o caminho. Ao desapegar do físico, a gente também se desapega de sentimentos que nos travam e que, no fim, nem tem tanta relevância assim.
Foco.
A gente não precisa mudar o mundo do dia pra noite. Mas pequenas coisas que a gente faz, vai tornando nosso mundo melhor.
No livro “As coisas que você só vê quando desacelera”, logo no prefácio, Haemin Sunim fala sobre como nossa atenção está voltada ao que queremos prestar atenção. Se estou construindo uma casa, minha mente se concentra em todos os telhados da rua.
Isso também vale para nossas atitudes e relações. Se nosso foco está sempre no lado ruim dos acontecimentos, será que nós mesmos não estamos replicando-os?
No que você realmente precisa focar hoje? Responda a essa pergunta não só nas suas atividades rotineiras de trabalho. Mas na sua vida, novos hábitos, novas escolhas.
Nem todos os dias serão lindos.
O caminho é uma montanha russa de emoções, é um dia estar bem e no seguinte implorar para acabar.
E por incrível que pareça, os dias mais difíceis não são aqueles em que te exigem seu limite físico extremo. São aqueles em que seus DivertidaMente estão a todo vapor sem deixar você descansar nem por um segundo.
O que você vive no caminho de Santiago é um espelho da sua vida. Dos seus altos e baixos. Precisamos da chuva, para visualizar o arco-íris. Precisamos de dias sombrios, para valorizar os dias de sol.
Se dê recompensas e comemore suas conquistas.
Se tem uma coisa que não posso negar, é comida. E eu comi. Muito. Meu pai brincou dizendo que foi muito mais uma rota gastronômica do que um caminho espiritual.
Todas as vezes que chegávamos à cidade que iríamos pernoitar, eu já pesquisava o melhor restaurante da cidade para nos esbaldarmos nos fartos pratos espanhóis.
Era minha forma de comemorar mais um dia percorrido. Mais uma conquista alcançada.

Cada noite um novo lugar. Cada dia, uma nova página em branco.
A cada noite, é um novo lugar, novos peregrinos, novas pessoas.
Passamos por albergues públicos e privados. Não existe riqueza ou pobreza. Todos estão ali com um mesmo objetivo. Chegar a Santiago de Compostela.
E acordar todos os dias descansada e pronta para uma nova aventura me faz refletir que cada dia da nossa vida é essa nova página em branco. Basta sabermos aproveitar.
Cada jornada é única. Respeite isso.
Meu pai me disse que os quatro caminhos foram completamente diferentes uns dos outros. Até mesmo, os que ele repetiu o trajeto. Os tempos são outros, as pessoas que você encontra, até mesmo você. Mais maduro, com nova bagagem, encara o trajeto com outro olhar.
Isso vale para quando julgarmos as pessoas. Sim, já ouvimos muito isso. Mas também vale para você mesma. Aceite seus erros passados. Eles fazem parte da sua jornada. Respeite isso.
Curta o passeio (acima de tudo!), mas saiba a hora de ir.
Sou apaixonada pela Espanha. Seja um vilarejo abandonado ou uma cidade grande, cada pedacinho faz eu me encantar. A névoa que permeia o caminho, logo pela manhã e você não enxerga a um passo à sua frente. O castelo milenar construído - e derrubado - antes mesmo de seus tataravós existirem... Curta, curta muito. Cada dia. Cada segundo. Mas saiba que assim como essas paisagens durante o caminho, tudo é passageiro.
Precisamos aprender a reconhecer onde não pertencemos mais, sejam lugares, amizades, trabalhos. Isso tornará nossa vida mais leve para que possamos abrir espaço para novos caminhos.

Não é só sobre chegar lá.
Aqui está meu maior aprendizado.
Enquanto caminhava, pensava que quando chegasse a Santiago teria um alívio enorme. Quando cheguei entendi que não é sobre chegar e saber que venci. É sobre o caminho que eu percorri até ali.
Meus aprendizados, minha bagagem, quem eu sou, está ali. No caminho que eu percorri.
Não é sobre chegar ao cargo mais alto, é sobre valorizar cada passo até ali.
Precisei percorrer 435km em 25 dias para relembrar essas lições. Afinal, tudo aqui já ouvimos algumas vezes, mas que justamente por serem tão óbvias, passam batido na nossa rotina. Esquecemos que nossa vida profissional depende inteiramente da nossa vida pessoal, dos nossos sentimentos e emoções. Do que nos motiva como pessoa. Do que nos faz querer ir além. Que a partir de agora, a cada dia, possamos relembrar nosso caminho. Acorde e pense nisso, todos os dias.

*Setas amarelas: durante o caminho, você encontra setas amarelas pintadas no chão, em poste, cercas... elas indicam a direção de Santiago de Compostela. Acredite, sempre haverão indicações na sua trajetória com a direção certa.
Comments